No Brasil, Joaquim Manuel de
Campos Amaral, não se notabilizou apenas pelo seu sucesso como comerciante e
empresário. Também granjeou significativo prestígio pelo papel desempenhado na
Associação dos Empregados no Comércio no Rio de Janeiro (AEC-RJ).
A AEC-RJ, foi fundada a 7 de Março de 1880, com o objectivo
de defender os direitos dos empregados no comércio e estabelecer uma obra
beneficente em favor, quer dos associados, quer da comunidade. A primeira
grande conquista da Associação, foi o encerramento dos estabelecimentos
comerciais ao Domingo.
Joaquim Manuel de Campos Amaral, foi admitido como sócio, em Julho de
1896, com 37 anos, tendo-lhe sido atribuído o nº 1314. Nos vinte e dois anos
que se seguiram, desempenhou sempre um papel activo em favor da Associação.
O seu nome é recordado em ambos os livros editados sobre a AEC-RJ. Um publicado em 1930, (“Associação
dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro: meio século de narrativa
histórica” do Prof Ferreira da Rosa) para comemorar o meio século da
Associação e o outro em 1980, para comemorar o centenário, (“Um século: 1880-1980 –
Associação dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro” do Prof. Valdir Rocha).
No livro do Prof Ferreira da Rosa, publicado em1939 para comemorar os 50 anos da AEC-RJ, é descrito, com mais detalhe, o papel de Joaquim Manuel de Campos Amaral na afirmação da associação e na resolução das inúmeras crises por que esta passou no início do século XX.
Em 1905 estava-se no auge da construção da Avenida Central, que iria
transformar o Rio de Janeiro numa cidade moderna e cosmopolita, deixando para
trás o passado colonial. A nova avenida, obrigou à demolição de 585 prédios e à
destruição de parte dos morros do Castelo e de S. Bento. Com cerca de 2 km de
comprimento e 33 m de largura, com passeios largos, iluminação eléctrica e prédios
altos de estilo ecléctico mudou irremediavelmente a fisionomia e a vivência
urbana da antiga cidade colonial.
Desde logo a Associação manifestou o desejo de marcar presença nessa avenida, que era o novo símbolo da modernidade do Rio de Janeiro.
A Escritura de Compra e Venda do terreno da avenida foi assinada em
Abril de 1905, no meio de uma crise financeira na Associação, avolumada pelos
prazos a cumprir, que eram impostos pela Comissão Construtora da Avenida. O
terreno destinava-se à construção de uma nova sede, para substituir a que tinha
sido construída em 1889 e se localizava na Rua Gonçalves Dias.
Lote de terreno na Avenida Central, entre a Rua 7 de Setembro e a Rua do Ouvidor, para a construção da nova sede da AEC-RJ em 1905 |
À esquerda a nova sede e à direita a sede construída em 1889 na Rua Gonçalves Dias |
A 7 de Outubro foi constituída uma Comissão Administrativa, da qual faziam parte: Armando de Figueiredo, Manoel da Silva Pilar, Heráclito Domingues e Joaquim Manuel de Campos Amaral. A primeira acção da Comissão foi resgatar o terreno da avenida, que possibilitaria, com a construção de um novo edifício, o alargamento da sede da Rua Gonçalves Dias, até à nova avenida. Para isso foram entregues as plantas do novo edifício e renegociado o prazo de pagamento.
Foi nesta altura que Joaquim Manuel de Campos Amaral, juntamente com os outros membros
da Comissão, se reuniu com o Dr. Paulo de Frontin, que foi um dos maiores
engenheiros e homens públicos da história brasileira. A avenida Rio Branco e a
avenida Atlântica são algumas das suas realizações no Rio de Janeiro. Uma das
netas do avô Joaquim viria a casar, já nos anos quarenta do século XX com um
dos netos do Dr. Paulo de Frontin, com descendência no Rio de Janeiro.
Nessa reunião foi manifestado o interesse e
assegurada a viabilidade económica do projecto através de um pedido de
empréstimo, sobre penhora dos bens da Associação, dando Joaquim Manuel de Campos Amaral uma garantia de cem contos de reis
sobre a sua firma comercial. O valor dessa nota de crédito e o prestígio do
empresário foram agentes promotores de confiança no projecto e possibilitaram a
abertura de novos créditos, nomeadamente pelo Banco União do Comércio, no valor
total de quinhentos contos de reis.
A 3 de Novembro de 1905, como reconhecimento do empenho e dedicação,
Joaquim Manuel de Campos Amaral é eleito Presidente da Associação.
Uma vez aprovadas as plantas do novo edifício da sede da AEC pela
Comissão Construtora da Avenida, foi lançada a primeira pedra no dia 19 de
Novembro de 1905. O acontecimento é noticiado nos principais jornais do Rio de
Janeiro.
No dia 27 de Dezembro, no Cartório Fonseca Hermes renova-se a Escritura
de Compra do terreno, por 80 contos, a pagar em 20 de Fevereiro de 1906. Neste
acto a Associação foi representada por Joaquim
Manuel de Campos Amaral.
No dia seguinte foi assinada a escritura de hipoteca do prédio da rua
Gonçalves Dias, terreno da avenida e benfeitorias, como base para a emissão de
10.000 títulos de 50$.
Os principais investidores foram o Banco União do Comércio e a Lebrão
& Cia que ficaram com 1000 títulos cada e Joaquim Manuel de Campos Amaral e o Conde de Sucena entre outros
que ficaram com 600 títulos cada.
A 5 de Fevereiro é feita a escritura de quitação e ratificação, pela
quantia de 80:000$, sendo a Associação representada neste acto pelo seu
presidente Joaquim
Manuel de Campos Amaral. Nesta escritura estabelecia-se o dia 15 de
Novembro de 1906, como prazo de conclusão das obras da fachada, e de dois anos
para a conclusão total da obra.
“.. Consolidados os alicerces, sobem as paredes, anima-se a fabrica. Chega da Europa o ferro , encomenda-se da Itália o mármore ... os sócios contentes com a administração fazem espontaneamente donativos que no ano atingiram a 16:326$440. Campos Amaral neste ano indicou 77 sócios e foi graduado como Benemérito Distinto. Com as finanças organizadas, o ano acabava bem.”
“Associação dos Empregados
no Comércio do Rio de Janeiro: meio século de narrativa histórica” do Prof Ferreira da Rosa; pág.270
A 23 de Fevereiro de 1907, Joaquim Manuel de Campos Amaral faz um donativo de
4:875$ em dinheiro. A 7 de Março de 1907, no 27º Aniversário da Associação, Joaquim Manuel de Campos Amaral recebeu
o Presidente da República do Brasil, o Dr. Afonso Pena, para as comemorações da
efeméride.
Em Dezembro de 1907 havia 18.734 sócios e o novo edifício crescia,
prometendo vir a ser um dos um magníficos exemplares da nova avenida. A escada
projectada para o edifício é encomendada a
fabricantes de Paris. Os mármores de Itália para a fachada. Julião
Machado desenha os vitrais. A Casa Smith foi incumbida da instalação eléctrica.
Corria o ano de 1908. A construção do novo edifício, sorvia
avassaladoramente o produto do empréstimo, a juros de 9% ao ano. Nesse ano, a falência do Banco União
do Comércio e da Cia. Mercúrio, dois dos principais investidores, constituiu um
rude golpe para a Associação e a apreensão pela dívida de 530:000$ a pagar até
30 de Junho, fez-se sentir. Mais tarde,
alegando motivos de doença, Joaquim
Manuel de Campos Amaral solicita a sua substituição pelo vice presidente.
Em Dezembro de 1908, as obras de construção estão concluídas, tendo já
sido gastos 903 contos de reis, faltando as decorações do salão, orçadas entre
50 e 80 contos de reis. A 15 de Janeiro de 1909 o conselho reuniu-se autorizando operações de
crédito para obter os cem contos necessários para a conclusão do edifício. Em
Fevereiro é constituída uma nova Directoria. Joaquim Manuel de Campos Amaral
faz parte do Conselho.
A 7 de Março de 1909, no 29º aniversário da Associação, é inaugurada a nova sede na Avenida Central no número 116. Presidiu a sessão o General Francisco Marcelino de Souza Aguiar e foi orador o deputado Barbosa Lima:
“… o marco luminoso da jornada concluída pela Associação para colocar nome na fachada e a vida benéfica sob a cúpula de um grande edifício...”
A fachada principal era dominada pela janela imensa do salão nobre, encimada por um arco com a inscrição Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro e no centro, uma escultura do ex-libris da Associação – uma espécie de ramo com duas cobras subindo de cada lado, tocando a cabeça de Mercúrio (o Deus do Comércio) com um elmo alado.
Entrada
principal da AEC-RJ, na Avenida Central
(em baixo à dtª é possível
observar-se a montra da
“sorveteria Alvear”, um dos locais de moda do
início do
séc XX)
|
Da esquerda para a direita: sede da AEC-RJ, edifício do cinema Pathé, edifício não identificado e depois o edifício sede do
“Jornal do Brasil”- à data a construção mais alta da América latina
|
Sarau no salão nobre da associação |
Foram atribuídas medalhas comemorativas da inauguração do edifício, cunhadas em prata
e cobre a mais de 400 sócios.
Medalha comemorativa, em prata, da inauguração do edifício sede em 1909 e atribuída aos sócios que mais contribuíram em donativos para a construção do edifício. O avô Joaquim também recebeu uma |
Ao Comendador Joaquim Manuel de Campos Amaral, como sócio que contribuiu com a
quantia mais avultada para a edificação da nova sede, foi feita uma homenagem
especial, tendo-lhe sido atribuído, em nome da Associação, um presente
especial, um cronómetro Patek Philippe em ouro da linha Gondolo & Laboriau.
Relojoaria Gondolo, na Rua da Quitanda, representante dos Patek Philippe no Rio de Janeiro |
Entre 1910 e 1916, não é feita qualquer menção ao nome
de Joaquim Manuel de Campos Amaral no livro do Professor Ferreira da Rosa.
Corresponde ao período de tempo em que a família Campos Amaral se mudou para a
Europa, por motivo de doença da avó Luciana.
Embora mantendo os seus negócios no Rio de Janeiro, só
em 1916, após a morte da avó Luciana, é que o avô Joaquim regressa ao Brasil e
retoma a sua actividade, não só como empresário, mas também como quadro
dirigente da AEC-RJ.
Logo a 12 de Maio de 1016, 132 membros da Assembleia
Deliberativa reúnem-se para nomear imediatamente uma Comissão para dirigir os
destinos sociais até a eleição do novo Conselho. Joaquim Manuel de Campos
Amaral é nomeado 1º tesoureiro, tendo recebido do tesoureiro cessante, uma
caderneta do Banco Mercantil com 10 contos, mais um conto e trezentos em moeda,
e apólices da Caixa de Pecúlios.
É em 1916 que se estabelece como tradição da
Associação, as reuniões de convívio entre os sócios, às quartas feiras. Em
Julho é eleito novo Conselho Administrativo, sendo Joaquim Manuel de Campos
Amaral mais uma vez nomeado Presidente da Associação.
Neste seu segundo período à frente da Associação,
Joaquim Manuel de Campos Amaral promoveu medidas e reformas importantes.
Foi um dos promotores da ideia de criação do Instituto
Brasileiro de Contabilidade, defendendo-a acerrimamente no Congresso Brasileiro
dos Empregados no Comércio e que levou à sua fundação em 1916, tendo funcionado
vários anos nas instalações da Associação.
Foi também por sua iniciativa, que a Associação apoiou
a campanha em prol da “semana inglesa” (encerramento do comercio aos Sábados às
duas horas da tarde).
Ainda em1917, sendo presidente Joaquim de Campos Amaral, uma outra “revolução” teve lugar em prol dos direitos das mulheres. Pela primeira vez foram eleitas duas mulheres para cargos de relevo na Associação, refletindo o espírito aberto e progressista da instituição. Desta eleição fez eco a 6 de Janeiro de 1917, a “Revista da Semana”, semanário publicado no Rio de Janeiro. O artigo era acompanhado das fotos das duas senhoras eleitas.
A
cadeira do Presidente da AEC-RJ (foi nesta cadeira que o avô Joaquim Manuel se sentou enquanto Presidente) |
A 30 de Junho de 1918, na sua casa na Rua de S. José 78, Joaquim Manuel de Campos Amaral, com apenas 58 anos, faleceu na sequência de uma infecção respiratória. Foi uma das primeiras vítimas da pandemia de gripe (“pneumónica”) que assolou o mundo, nesse ano de 1918 e que no Rio de Janeiro viria a fazer milhares de vítimas.
À data da sua morte para além de presidente da AEC-RJ,
era também Presidente do Centro dos Industriais em Mármores e proprietário de
duas casas comerciais, a Amaral, Guimarães & Cia e a Amaral, Pimentel &
Cia.
A Associação dos Empregados no Comércio, encarregou-se
do funeral e rendeu-lhe homenagem de respeito e saudade. Foi sepultado no
Cemitério de S. João Baptista do Rio de Janeiro.
AGRADECIMENTO FINAL
AGRADECIMENTO FINAL
Antes de terminar esta crónica
gostaria de deixar aqui o meu agradecimento a alguém que de uma forma
apaixonada deu um contributo inestimável para o conhecimento que hoje temos do
papel do avô Joaquim na AEC-RJ.
Aqui vai a história. Em 2009,
quando iniciamos as nossas investigações genealógicas, tomamos conhecimento que
o avô Joaquim tinha sido presidente da Associação dos Empregados no Comércio no
Rio de Janeiro. Sem grande expectativa enviamos um mail para a Associação e
poucos dias depois recebíamos uma resposta.
A secretária da administração,
Iza Barros informava-nos que ia tentar, no que estivesse ao seu alcance, dar o
seu contributo. E assim ao longo de várias semanas fomos recebendo mails acerca
do andamento da pesquisa. Aquilo que começou como uma gentileza da Iza para com
os descendentes de Joaquim Manuel de Campos Amaral, virou um projecto de
investigação histórica e ao fim de algum tempo recebíamos um relatório completo
da história da associação e os detalhes da acção de Joaquim Manuel de Campos
Amaral.
O carinho, dedicação e empenho
com que a Iza abraçou este projecto, motivado apenas pelo desejo de ajudar
alguém a conhecer as suas origens, fez-nos acreditar que apesar de tudo o que
vemos e ouvimos, ainda há muita gente boa no mundo. Nem sempre são grandes os gestos que fazem a diferença. É frequentemente no anonimato dos pequenos gestos
que contribuímos para a felicidade uns dos outros e para a construção de um
mundo melhor.
Bem haja Iza por fazer deste
mundo um lugar melhor.
José Paulo Amaral Rocha de Oliveira, bisneto de Joaquim Manuel de Campos Amaral e Iza Barros, na AEC-RJ em 2009 |
Atual sede da AEC-RJ; os edifícios inaugurados em 1900 e em 1905, foram demolidos em 1939 para a construção do novo edifício sede com 14 andares, que foi inaugurado em 1942 |
Cruzamento da Avenida
Central com a Rua 7 de Setembro,
identificando-se
à direita o Clube dos Engenheiros e logo a seguir a Sede da AEC-RJ; o edifício
mais alto é o da sede do “Jornal do Brasil”
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