Rua de S. José nº77, era
nesta morada que Luciana vivia com sua mãe e irmãs. A Rua de S. José era um dos
eixos importantes do Centro, estabelecendo a ligação entre o largo da Carioca e
a Rua da Misericórdia. Desde o
século XVII que era conhecida como rua do Parto, por nela se erigir uma
ermida dedicada a Nossa Srª do Parto. Só após a construção da actual Igreja de
S. José já no século XIX é que a rua adopta definitivamente a designação de S. José.
Foto de Marc Ferrez c.1885
Vista da Rua direita a partir do Morro do
Castelo
(com o largo do Paço - Praça D. Pedro II, à direita e a
cúpula da Candelária, ao centro ao fundo)
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Foto de Marc Ferrez c.1890
Vista do Centro a partir do Morro do
Castelo
(vê-se ao centro a cúpula da Igreja da Candelária)
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Foto de Marc Ferrez
Praça D.Pedro II (actual Pr XV de Novembro)
com o Paço à esquerda, o Convento do Carmo,a torre da Catedral, a Igreja do Carmo
e a Igreja terceira do Carmo
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Nessa mesma rua, quase em frente,
no número 70, residia um jovem português, de nome Joaquim Manuel de Campos
Amaral.
É provável que em 1892, Luciana,
com 24 anos, já tivesse reparado no jovem Joaquim Manuel, então com 30 anos,
bem parecido, comerciante de sucesso e empresário respeitado no Rio de Janeiro,
oriundo de boas famílias de Oliveira do Hospital.
Sabemos que Joaquim Manuel foi para o Rio de Janeiro com apenas 11 anos
de idade, em Novembro 1873. À data seu pai ainda era vivo. Não sabemos em que
circunstâncias terá ido para o Brasil. Seu irmão João (João Joaquim de Campos
Amaral) juntou-se a ele no Rio de Janeiro, sendo seu sócio nas empresas.
Desconhecemos o que se passou nos cerca de 17 anos, entre a sua chegada
ao Rio de Janeiro e a fundação da firma AMARAL, GUIMARÃES & Cia em 1890. À
data do seu casamento em 1892, Joaquim Manuel, era já um empresário de sucesso
no Rio de Janeiro.
Fotos de Joaquim e de Luciana por altura do seu casamento em 1892, ele
com 30 anos e ela com 24
Estúdio Guimarães e Cª - Rio de Janeiro
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E mais uma vez a história se
repetiu. A jovem herdeira brasileira, conheceu um jovem português bem sucedido,
apaixonaram-se e casaram, tal como sua mãe Maria da Encarnação e antes dela a
sua avó, Maria José, a sua bisavó,
Catarina de Sena, a sua trisavó, Ana Joaquina e a sua tetravó, Rosa Bernarda.
Luciana Leal Ferreira Souto,
casou no Rio de Janeiro a 26 de Novembro de 1892, com Joaquim Manuel de Campos
Amaral, natural de S. Paio de Gramaços (Oliveira do Hospital, Coimbra,
Portugal), filho de Manuel José Tavares de Campos e de Joaquina Rosa Ribeiro do
Amaral, tal com consta do seu assento de casamento.
Livro de registos de Casamento da freguesia de S. José, Rio de Janeiro – livro 10/f26v
“A vinte e seis de Novembro de mil oitocentos e noventa e dois, ás cinco da tarde, com provisão do Monsenhor Vigário geral, na casa de residência do contraente, sita á rua de S. José número 70, sobrado, em minha presença e na das testemunhas Joaquim Fernandes dos Santos Júnior e Augusto dos Santos Madahil, por palavras de presente justa tridentino, se receberam em matrimónio Joaquim Manuel de Campos Amaral e Luciana ferreira Souto, ele filho legítimo de Manuel José Tavares de Campos e de Joaquina Rosa Ribeiro do Amaral, nascido e baptizado na freguesia de S. Paio de Gramaços, Bispado de Coimbra, em Portugal e ela, filha legítima de José da Costa Ferreira Souto e Maria da Encarnação Leal, nascida e baptizada na freguesia de Nossa Senhora da Candelária desta capital; ambos moradores nesta freguesia de S. José.”
O Vigário António José de Sousa
Nota - O casamento foi celebrado em casa, por a mãe da contraente se encontrar doente
Assinatura de Luciana Ferreira Souto, tal como consta no seu assento de casamento. O ligeiro tremor na escrita ao iniciar a sua assinatura traduz o estado de nervos da jovem Luciana. |
Assinatura
de Joaquim Manuel de Campos Amaral, tal com consta no seu assento de casamento
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Livro de Registos de
Matrimónios - 4ªPretória do Rio de Janeiro
Volume 2; Jun
1892-Julho1893; folha 90; registo 310
“Aos vinte e
seis de Novembro de mil oitocentos e noventa e dois, no Rio de Janeiro, na Rua
de S. José número setenta, casa de residência do contraente, onde foi vindo o
Dr. Carlos Marques de Sá, juiz da quarta Pretória comigo …..no cargo abaixo
nomeado e assinado, às duas horas da tarde, presentes as testemunhas Joaquim
Fernandes dos Santos Júnior, Joaquim José Viena, Francisco Outono Pires… e
António José de Matos Guimarães, receberam-se em matrimónio Joaquim Manuel de
Campos Amaral, filho de Manuel José de Campos e de D. Joaquina Rosa do Amaral,
com trinta anos de idade, solteiro, português, comerciante, morador na Rua de S.
José número setenta, com Luciana Ferreira Souto, filha legítima de José da
Costa Ferreira Souto e de D. Maria da Encarnação Leal Souto, com vinte e cinco
anos de idade, solteira, natural desta capital, residente na Rua de S. José
número setenta e sete.”
Livro de Registos de Matrimónios - 4ªPretória do Rio de Janeiro
Volume 2; Jun 1892-Julho1893; folha 90; registo 310
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A testemunha António José de Matos Guimarães era o sócio de Joaquim Manuel na firma “Amaral Guimarães &
Cia”.
Após o casamento Joaquim Manuel e
Luciana ficaram a residir no Rio de Janeiro, na Rua de S. José, nº70. Foi nesta
casa que nasceram os três filhos mais velhos. No início do século a casa da avó
Maria da Encarnação no número 77 sofreu um violento incêndio tendo sido
destruída. Foi nessa altura que foi construída a grande casa de família
recordada pela avó Nanda, um prédio grande com escritórios e loja da firma
comercial do pai no piso térreo e casa de habitação nos dois andares
superiores.
Na página 613 do livro “Impressões do Brazil no Século Vinte” de
Reginald Lloyd(Edição de 1913 da Lloyd's Greater Britain Publishing Company,
Ltd.) está uma fotografia do edifício onde se localizava o escritório de
exposição de ladrilhos, azulejos, metais e louças, da firma “Amaral, Guimarães
& Cia”, sendo referida a morada da Rua de S. José números 77 e 79.
O prédio da foto, referido com nº
77, com a loja em baixo e os dois pisos, coincide na localização e tipo de
edifício, com a descrição da avó Nanda. A residência da família Campos Amaral
na cidade do Rio de Janeiro ocupava os dois andares superiores deste prédio. A
avó Nanda recordava muitas vezes com saudade as brincadeiras de infância no
varadim central do 1º andar, sob a luz da clarabóia, de onde avistava o seu pai
e dos outros funcionários a trabalhar no piso térreo. Ainda hoje subsistem
inúmeros imóveis deste tipo no Centro do Rio de Janeiro que sobreviveram à
voragem demolidora dos últimos 100 anos.
Foram frequentes as viagem do
casal a Portugal em virtude dos negócios do avô Joaquim.
Foto da avó Luciana, tirada em Lisboa em 1900
Estúdio Foto Brasil em Lisboa
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O avô Joaquim e a avô Luciana
tiveram sete filhos:
- Joaquim José – nasceu a 9 de Janeiro de 1894.
- Maria Antónia – nasceu a 5 de Junho de 1896.
- José Luso – nasceu a 16 de Julho de 1899 e foi baptizado na Igreja de S. José no Rio de Janeiro a 25 de Dezembro de 1899; segundo a tradição familiar o nome José Luso terá sido escolhido por ter sido concebido nas termas do Luso, numa das estadias do casal em Portugal em virtude dos negócios do avô Joaquim
- Fernanda Amélia (a avó Nanda) – nasceu a 8 de Outubro de 1901 na casa da Rua de S. José número 70, pelas oito horas da manhâ.
- Susana - nasceu a 21 de Julho de 1903 e foi baptizada na Igreja de S. José no Rio de Janeiro a 25 de Dezembro de 1903
- Manuel José - nasceu a 28 de Agosto de 1905 e foi baptizado na Igreja de S. José no Rio de Janeiro a 15 de Agosto de 1906
- Amélia Clementina - nasceu a 18 de Dezembro de 1907 e foi baptizada na Igreja de S. José no Rio de Janeiro a 25 de Dezembro de 1908
Bp José Luso . RP Baptismos da freguesia de S. José/ Rio de Janeiro – 1898-1899/f146v |
Bp Susana. . RP Baptismos da freguesia de S. José/ Rio de Janeiro 1903-1904/f103 |
Bp Manuel José RP Baptismos S. José 1906/f8 e 8v |
Bp Amélia Clementina RP – Baptizados , S. José/ Rio de Janeiro – livro 29/f191v |
Na narrativa
histórica da Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro, editada
em 1930 pelo Professor Ferreira da Rosa, para além de nos dar a conhecer o
importante papel que o avô Joaquim teve na história desta prestigiada
instituição, dá-nos também algumas pistas que nos permitem esclarecer e
colmatar algumas lacunas da história familiar.
O Prof. Ferreira
da Rosa, refere que, em 1908, o avô Joaquim abandonou o cargo de presidente da
associação por motivo de doença. A alegada enfermidade não seria de Joaquim
Manuel de Campos Amaral, mas sim de sua mulher Luciana.
A doença da avó Luciana sempre foi um mistério. Sabemos que deixou de
andar ainda no Rio de Janeiro. Consultou os melhores especialistas, sem sucesso
e o seu estado de saúde continuava a deteriorar-se. Terá sido na mudança da
década, que a situação clínica da avó Luciana levou a uma tomada de decisão
radical. O avô Joaquim decide mudar-se com toda a família para a Suíça, em
busca dos “bons ares” e dos grandes especialistas em “doenças nervosas” aí
existentes.
Na sua viagem, fazem escala em Lisboa. Em Portugal viviam-se tempos
difíceis e conturbados, após a implantação da República em 1910. O avô Joaquim
era um monárquico convicto.
A família e os empregados que a acompanhavam alojaram-se no Hotel Borges
no Chiado, à época um dos hotéis de renome da capital e o preferido do avô
Joaquim nas suas deslocações a Lisboa.
Rua
Garret com o Hotel Borges (junto
ao Largo do Chiado) – é o edifício branco
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Por essa altura em Lisboa, começava a falar-se de um jovem médico,
professor da Universidade de Coimbra e que tinha vindo para Lisboa, como
Professor da nova Escola Médico Cirúrgica do Campo de Santana.
Era especialista em “doenças nervosas” e chamava-se António Caetano
Abreu Freire de Egas Moniz, mais conhecido por Egas Moniz. A avó Luciana foi
por ele consultada, tendo iniciado tratamentos em Lisboa.
Foi pois, o Prof. Egas Moniz, que anos mais tarde viria a ser galardoado
com o prémio Nobel da Medicina, (em 1949), quem dissuadiu o avô Joaquim de
prosseguir viagem, convencendo-o de que na Suiça não disporia de melhores
recursos médicos do que em Portugal.
A confiança no jovem médico foi decisiva na alteração dos planos
inicialmente traçados, e a passagem breve por Lisboa transformou-se em estadia
prolongada. A família permaneceu alojada no Hotel Borges durante vários meses
até ser encontrado alojamento definitivo.
Não foi fácil encontrar uma casa suficientemente grande e “moderna” em
lugar com “bons ares”, para acomodar toda a família e possibilitar a
convalescença da avó Luciana. Foram vistas propriedades em diversos locais do
país, nomeadamente a Quinta das Lágrimas em Coimbra e outras em Sintra, Cacém e
Lisboa.
Finalmente optou-se pela compra
da Quinta das Palmeiras, mas isso é uma outra história.
A avó Luciana sempre viveu
contrariada em Lisboa, longe da sua cidade, da sua mãe e irmãs, num pais que
considerava atrasado e triste. Nunca mais voltou a andar, deslocando-se numa
cadeira de rodas e alternando períodos de melhoria e agravamento da sua
situação clínica (neurológica / psiquiátrica), até à sua morte em 1916. Morreu
na sua casa de Benfica, na Quinta das Palmeiras, tendo sido sepultada no
Cemitério dos Prazeres, no Jazigo dos Mantuas, seus amigos e vizinhos em
Benfica.